Secretário-geral da UIT, Hamadoun Touré, concede
entrevista coletiva no último dia da conferência em
Dubai: mesmo sem consenso, ONU considera reunião
um sucesso.
A conferência realizada pela ONU nos Emirados Árabes Unidos durante as duas últimas semanas terminou na sexta-feira sem que fossem aprovadas por consenso mudanças significativas sobre o futuro da internet. Ao todo, 193 governos, incluindo o Brasil, se reuniram durante 12 dias em Dubai para discutir normas que padronizem e regulamentem as telecomunicações e conseguiram produzir a primeira atualização das normas mundiais de telecomunicações desde 1988. A conferência da União Internacional de Telecomunicações (UIT), porém, transcorreu em meio a temores de que os resultados afetassem a liberdade da rede mundial de computadores.
No total, 89 Estados-membros assinaram o novo tratado das Nações Unidas. Confusão e desordem marcaram a reunião em alguns momentos, como quando foi proposto um compromisso que impediria que regulamentação governamental intrusiva da internet fosse incorporada a um tratado mundial - efetivamente permitindo a censura à web. Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, entre outros, se recusaram a assinar o acordo final por entenderem que o ciberespaço está além dos limites do tratado - e se opuseram à inclusão de qualquer menção à internet.
O Brasil, em consonância com demais países latino-americanos, votou a favor dos textos aprovados. "Defendemos em todos os foros internacionais que o modelo atual de governança da internet deve ser aperfeiçoado para que seja verdadeiramente construído sobre as bases do multilateralismo, do multissetorialismo, da democracia e da transparência", declarou em um comunicado a delegação brasileira presente na conferência. "Estamos convictos de que os princípios básicos de nossas instituições não estão de forma alguma ameaçados por este tratado. Pelo contrário, estão mais fortes do que antes", afirmou, afastando temores sobre censura.
O órgão responsável pelas negociações declarou que a reunião foi bem-sucedida, apesar da rejeição demonstrada pela delegação americana e seus apoiadores. "Depois de duas semanas de intensas negociações, representantes de todo o mundo concordaram com um novo acordo global que vai ajudar a abrir caminho para um mundo hiperconectado que trará o poder da informação e das tecnologias de comunicação para pessoas de todo os lugares", afirmou a UIT em um comunicado oficial.
Diversas organizações não governamentais atualmente envolvidas na supervisão da internet expressaram preocupação quanto aos rumos da conferência de Dubai. Entre as questões que causaram controvérsia está uma cláusula que atribuiria aos países o direito de administrar "nomes, números, endereços e recursos de identificação de telecomunicações internacionais, em seus territórios". Havia cerca de 900 propostas em discussão, incluindo o direito humano de acesso às comunicações, segurança no uso de tecnologias de informação e comunicação, bloqueio de spams, cobrança e contabilidade, qualidade do serviço e convergência.
Controle da web pela ONU
Houve impasse também quanto ao papel da UIT, cujas origens remontam a 1865, antes mesmo de a ONU ser fundada. Rússia, China, Arábia Saudita, Emirados Árabes e outros quase 20 países insistiram que a nova regulamentação deveria ir além das redes tradicionais de telecomunicações - atual escopo do tratado tido como o maior esforço internacional de chegar a um consenso sobre a regulamentação da internet. Por sua vez, grandes empresas (como Google) e deputados europeus questionaram a legitimidade da organização para legislar o tema e a exclusão de usuários e companhias de tecnologia da votação sobre o futuro dos negócios e dos usuários na rede.
"A UTI vai revisar um tratados de décadas atrás, no qual só governos têm votos. Algumas propostas podem permitir que governos justifiquem a censura de discursos legítimos, ou mesmo cortem o acesso à internet em seus países", escreveu Vinton Cerf, um dos vice-presidentes do Google, argumentando que, sob controle da ONU, a internet seria ameaçada por países-membros que notadamente censuram a livre circulação de informações na rede e teriam ainda mais poder.
Muitos países - entre eles, Estados Unidos e a maior parte das nações europeias - consideram que a internet não faz parte do escopo da conferência e, portanto, se recusaram a sequer mencionar o termo no novo tratado sobre telecomunicações. A maioria dos 193 países representados na conferência, no entanto, estava disposta a estender oficialmente o papel da UIT, uma agência da ONU, sobre novas tecnologias, como a rede mundial de computadores. Enquanto isso, norte-americanos, europeus e representantes de alguns outros países desenvolvidos queriam limitar os poderes da UIT à fiscalização da telefonia internacional e outros meios de comunicação.
"A ITU (sigla em inglês para a União Internacional de Telecomunicações) cuida, teoricamente, das telecomunicações. Até agora, pelo menos, ficou claro que a internet não era regulada pela ITU", afirmou Demi Getschko, responsável pela implementação das decisões do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em entrevista ao Terra . "Uma das coisas que pode ser vista na reunião, e pode ser um problema ou não – depende de como for avaliado – é se a área de atuação da ITU se expande para entrar em uma seara que não é, teoricamente, regulamentada por ela, e se isso leva a consequências para a internet ou não", concluiu Getschko.
Propostas de censura refutadas
O desenvolvimento do tratado gerou disputas com alguns governos, incluindo China e Rússia, que tentaram aprovar propostas cujo objetivo final seria permitir maior controle sobre a internet, segundo observadores internacionais. Após a forte oposição de países ocidentais, a Rússia retirou na segunda-feira a proposta de alteração do tratado da ONU que daria mais poderes aos governos sobre o controle da web. A proposta russa incluía, entre outros pontos, que o controle de DNS (endereços na web), hoje feito pela organização independente Icann, sob o governo americano, fosse entregue aos países-membros da ONU. A justificativa era ter mais armas para lutar contra cibercrimes e proteger as redes.
Na terça-feira, o presidente do encontro, realizado em Dubai, distribuiu um anteprojeto que desconsidera propostas da Rússia, China e outros países que vinham procurando o direito de saber de onde vem todo o tráfego da internet. O anteprojeto refutando propostas de censura foi recebido de maneira positiva por ampla gama de delegados na conferência e surgiu como surpresa para muitos que se sentiam frustrados quanto ao impasse que vinha causando demora nas negociações desde o último final de semana.
Na abertura do seminário, Hamadoun Touré, secretário-geral da UIT, declarou que a liberdade da internet "não será coibida ou controlada" e afirmou que o argumento é uma forma "barata" de criticar a conferência. "O secretário Hamadoun Touré garante que nada vai afetar a internet, mas isso não é uma coisa que ele possa garantir ou não garantir, porque depende do que os países jogarem na mesa, de como vai ser a votação (na ITU, cada país tem um voto), e é evidente que a decisão tem que ser por consenso", afirmou Getschko ao Terraantes do início do evento.
“Esta conferência não tem nenhum impacto sobre a internet', concluiu Touré, afirmando que o direito à liberdade de expressão foi confirmado no tratado.
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