Colunista - Ronaldo Lemos
A perda da implementação do data center do Google do Brasil para o Chile é um evento que deveria acender a luz vermelha no âmbito do governo. Não só o país deixou de receber US$ 150 milhões em investimentos, como isso envia um sinal de cautela para empreendedores que planejam fazer investimentos em tecnologia no país.
O receio faz sentido. Poucas são as empresas que, em sã consciência, assumem o "risco Brasil" derivado da falta de leis sobre internet no país, ainda mais com projetos tão grandes.
É só pensar. Um data center como esse armazena volumes gigantescos de dados pessoais, que incluem e-mails, fotos, vídeos, documentos, agenda, posicionamento geográfico e mais.
Sem leis que estabeleçam como os dados são protegidos, uma empresa com um volume de informações desse porte ficaria exposta a todo tipo de demandas judiciais e administrativas. Haveria uma fila de oficiais de justiça em busca de informações dos usuários ali armazenadas.
Mais do que isso, dada a inexistência de uma lei de proteção de dados no país, o data center não poderia receber dados vindos da Europa, ou mesmo da Argentina, países que têm leis exigindo padrões mínimos de proteção antes de permitir o acesso aos dados dos seus cidadãos.
Nesse cenário, o projeto de proteção aos dados pessoais é só o primeiro passo. Seria necessária também a aprovação do Marco Civil da Internet, lei que cria regras claras, por exemplo, com relação à requisição dos dados por oficiais de justiça. Ou ainda, repensar a lei de direitos autorais, tratando da questão do armazenamento de conteúdos gerados de terceiros, como acontece nas redes sociais ou no YouTube.
São mudanças legais que não custariam um centavo para o Tesouro nacional, mas que trariam impacto positivo imediato para a economia digital do país. Custa a acreditar que foi preciso uma década para se perceber a importância dessas mudanças e nosso atraso mesmo em relação a outros países latinos.
O futuro da criação de valor e conhecimento na rede está ligado à regulamentação desses pontos. A economia da internet gravita hoje em torno da computação em nuvem ("cloud computing") e da onda emergente do "big data" (análise de grandes volumes de dados).
Nenhum deles encontra ambiente favorável para se desenvolver em nosso país.
Ronaldo Lemos é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV e do Creative Commons no Brasil. É professor titular e coordenador da área de Propriedade Intelectual da Escola de Direito da FGV-RJ. Foi professor visitante da Universidade de Princeton. Mestre em direito por Harvard e doutor em direito pela USP, é autor de livros como "Tecnobrega: o Pará Reiventando o Negócio da Música" (Aeroplano). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".
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