Redes sociais são, por definição, ambientes anárquicos. Nelas, tumultos são iniciados e findam por motivos que variam do nada à redefinição de ordens políticas inteiras; celebridades nascem e perecem de acordo com as suas capacidades de gerar polêmica; amizades e casais se formam, visões de mundo são estruturadas, civilizações são transformadas.
Por mais que se questione a fronteira entre o certo e o errado em um ambiente em que o anonimato flerta perigosamente com a ilegalidade, o fato é que as redes deixaram de ser um canal de expressão e passaram a ser a expressão em si de todo um povo. E essa liberdade anárquica, essa terra sem dono que causa tantos transtornos para tanta gente, virou ao mesmo tempo algo do qual criamos uma dependência prática inquestionável. Hoje, redes sociais ajudam a definir até mesmo o que somos.
Isso é ruim? Não, de forma alguma. É apenas uma mudança de pensamento da nossa própria civilização e que temos o privilégio de poder acompanhar e participar.
Os três atores
Como todo movimento de “migração social”, as redes primeiro impactaram as pessoas, depois as empresas e, por fim, os governos.
Cada um embarcou de acordo com os seus próprios interesses, como já seria de se esperar: as pessoas, por exemplo, passaram a se concentrar na súbita força que suas vozes ganharam, enquanto as empresas começaram a caçar e explorar oportunidades para estreitar os laços com os seus consumidores.
E, dentre o rol de ferramentas utilizadas por empresas em suas presenças sociais institucionais, uma acabou se destacando: o concurso cultural. Em busca de mais seguidores e fãs, investiu-se em prêmios, parcerias, descontos e uma série de benefícios práticos.
Como em todo livre mercado, a resposta vinha de acordo com a oferta: se julgassem interessantes, os usuários aderiam aos concursos; se julgassem enganosos, por outro lado, usavam as próprias redes para criticá-los com toda a veemência característica aos nossos tempos.
E assim, no livre mercado em que as redes se caracterizaram em todo o mundo, agências, empresas e consumidores começaram a se entender melhor e a efetivamente aprofundar os seus relacionamentos comerciais.
Por fim, o governo.
Dotado daquela ansiedade medieval de querer controlar a tudo (e ganhar o seu quinhão com isso), o governo publicou, em 22 de julho, uma portaria burocratizando os concursos culturais ao extremo. Um dos pontos mais relevantes inclui a proibição do uso de redes sociais para fazer concursos culturais, vinculá-los a datas comemorativas e entregar produtos ou serviços da promotora aos participantes.
Em outras palavras: da noite para o dia, o governo basicamente exterminou o uso prático de um dos canais mais eficazes de comunicação entre empresa e cliente.
Há alternativas? Para os mais ingênuos, sim: pode-se fazer um concurso inteiro em um hotsite e usar as redes apenas para divulgá-los. Mas é óbvio que concursos culturais em redes sociais funcionam bem JUSTAMENTE por estarem nas redes.
Para quê?
O mais perigoso é o precedente que isso abre. A partir do momento que o governo amplia os seus tentáculos (ainda mais) para tentar controlar (mais) uma forma de comunicação envolvendo pessoas e empresas, inserindo (mais) custos e morosidade ao processo, ele não apenas segue na contramão da era da informação e do próprio bom senso, como também indica uma clara intenção de considerar redes sociais como um meio de comunicação qualquer, com características semelhantes a mídias de massa tradicional que, quase que por definição, são desprovidas justamente da livre participação popular.
É o primeiro passo para se querer impor regras mais rígidas a todo um ambiente que, quer queira, quer não, funciona justamente pela ausência de imposições governamentais excessivas.
E, na prática, quem ganha com isso?
As empresas perderão uma ferramenta de comunicação importante em todo o mundo para lidar com seus clientes.
Os usuários perderão uma forma de interagir com essas mesmas empresas.
As agências perderão uma arma cada vez mais importante no mix comunicacional.
E mesmo o governo dificilmente sairá no lucro ao eliminar uma fonte de promoção (e, consequentemente, de renda) envolvendo tantas pessoas e empresas.
Controle? É de uma ingenuidade assustadora acreditar que redes sociais possam realmente ser regulamentadas por portarias como essa.
O fato é que, na era das redes sociais, pessoas e empresas já começaram a se entender, a se posicionar em um cenário caracterizado justamente pela liberdade de informação e abundância tanto de riscos quanto de oportunidades.
O governo, no entanto, ainda parece estar remando contra uma maré que ele jamais conseguirá vencer – mas que continuará o deixando cada vez mais distante dos próprios cidadãos a por quem ele teria o dever de ao menos entender.
Para o mercado, fica claro que, no Brasil, ainda está distante o tempo em que o governo atuará como fomentador tanto da liberdade de expressão (em seu sentido mais amplo) quanto do próprio capitalismo.
Fonte: "Planos & Ideias » A proibição de concursos culturais nas redes expõe o abismo entre governo e modernidade." IDG Now! - Notícias de tecnologia, internet, segurança, mercado, telecom e carreira. http://idgnow.uol.com.br/blog/planoseideias/2013/07/25/a-proibicao-de-concursos-culturais-nas-redes-expoe-o-abismo-entre-governo-e-modernidade/ (accessed July 26, 2013).
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