Ser traído pela memória sempre foi um problema. Mas nos tempos atuais, qualquer lacuna na lembrança pode ser emendada em instantes, seja sacando do bolso um smartphone seja digitando poucas palavras no Google.
Com isso, cresce um receio moderno: de que a internet esteja destruindo a capacidade humana de lembrar informações. E ele aumenta à medida que se desenvolvem novas ferramentas de busca on-line.
A dependência do homem por dados externos, porém, não é um fenômeno novo, segundo o especialista em tecnologia Clive Thompson, 45, autor do recém-lançado "Smarter Than You Think: How Technology is Changing Our Minds for the Better" ("Mais inteligente do que você pensa: como a tecnologia está mudando nossas mentes para melhor", em tradução livre).
Para ele, as pessoas estão apenas depositando nos aparatos tecnológicos a mesma confiança que sempre dedicaram a amigos e familiares na tarefa de preservar detalhes esquecidos.
O autor, que é colunista da revista "Wired" e colabora para o "New York Times", também enumera os benefícios do pensamento social oferecidos pela internet.
Leia trechos de sua entrevista à Folha.
Clive Thompson, 45, autor do recém-lançado
"Smarter Than You Think: How Technology is
Changing Our Minds for the Better".
MEMÓRIA LIVRE PARA O QUE INTERESSA
No começo, quando consultava demais minha agenda de celular, eu me questionava se tinha perdido a habilidade de me lembrar de números de telefone, por exemplo. Então pensei: 'se isso ocorre com telefones, deve ocorrer com outras informações'. Mas pode ser bom ter mais espaço mental livre para outras coisas.
Por milhares de anos, os humanos sempre foram bons em se lembrar do significado das coisas, mas ruins com os detalhes. A exceção é quando somos apaixonados por um tema. Em geral, porém, sempre precisamos contar com recursos externos. É por isso que consultamos bibliotecas, anotações e livros. O Google e os smartphones, são muito mais rápidos para uma consulta do que pesquisar em livros, então usamos mais.
HARDWARE EXTERNO
Confiamos nas pessoas ao redor para nos ajudar a lembrar os detalhes da vida desde sempre. Sabemos mais ou menos em que somos ruins em lembrar e no que nossos amigos, mulheres e maridos são bons. Até inconscientemente. Eu sei que minha mulher é melhor com datas de aniversários e história americana. E ela sabe que sou bom para lembrar onde ficam as coisas na casa e história canadense.
Nós armazenamos um volume grande de dados fora de nós, dentro de outras pessoas. E aprendemos que, coletivamente, chegamos a melhores lembranças, análises e soluções.
Com o avanço da tecnologia, ganhamos novas fontes externas de dados. Nos últimos anos, as ferramentas de busca e os aparelhos ficaram mais próximos dos nossos corpos, nos bolsos ou à nossa frente, na mesa. Então começamos a tratá-los da maneira como tratamos as outras pessoas. Aprendemos quando eles são bons para nos responder algo e quando são ruins. E confiamos neles para ajudar a lembrar.
DEPENDÊNCIA x CRIATIVIDADE
O único perigo é confiar demais nas fontes externas, aí pode haver questões ligadas à criatividade. Quando você faz uma caminhada ou está no banho e tem uma grande ideia, ela vem de coisas internalizadas. Se evoluímos para confiar muito em recursos externos, é discutível se podemos colocar nossa criatividade em perigo.
Cientistas dizem que quando as pessoas têm muito interesse em algo, isso fica profundamente internalizado. Se você quiser que as pessoas tenham mais conhecimento na cabeça delas, precisa fazer com que elas se interessem. É um problema cultural antigo: como fazemos as pessoas ficarem interessadas? A questão é a mesma.
Mas não acho que devemos nos preocupar sobre como estamos tratando o Google ou os smartphones. É um padrão antigo de comportamento e que se provou eficaz ao longo dos anos. Não há nada de errado sobre a memória social e sobre estar cercado por outras pessoas e aparelhos que podem ajudar a recuperar os fatos.
TECNOLOGIA AGREGA, NÃO ISOLA
Não acho que as ferramentas tecnológicas nos isolem. Acho que é o oposto. Estamos nos tornando pensadores mais sociais, pois temos mais oportunidades de dividir o que pensamos o tempo todo.
Pode ser ruim se você é o tipo de pessoa que prefere pensar de modo isolado. Alguns trabalhos intelectuais demandam isolamento, como, por exemplo, escrever um romance. Mas é mais difícil ser um pensador isolado hoje em dia. Há muita gente querendo falar com você on-line, enviar fotos, mensagens. Uma das habilidades modernas é este 'pensar sobre o pensar'. Seria bom para mim estar pensando com outras pessoas ou eu deveria estar isolado agora?
Antes, eu achava que devia manter meus trabalhos em segredo pois queria surpreender, mas percebi que se eu falar mais sobre o que estou fazendo, as pessoas, que são generosas e bem conectadas, contribuem com sugestões. A busca por boa informação se beneficiou desse pensamento social.
Fonte: CUNHA, JOANA . "Folha de S.Paulo." Folha online. http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/11/1364492-internet-ajuda-a-melhorar-nossa-memoria-diz-especialista-em-tecnologia.shtml (accessed November 5, 2013).
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