Por Andrea Evora Cals
No final de 2013, ainda durante as aulas eu e todas as mães de meninas fomos chamadas na escola, uma de cada vez. Resumindo muito, as meninas estavam se comportando todas sem respeito umas com as outras, panelinhas, rejeições etc.
Fiquei pau da vida. A minha filha tinha acabado de fazer 12 anos, estava no 6o ano e além de uma conversa séria, resolvi castigar tirando dela todas as formas de comunicação instantânea. Deixei apenas que ela entrasse na internet para pesquisar coisas, pegar emails, etc. Acabei com: Instagram, Facebook, SnapChat, Cinemagram e Skype. Eram os aplicativos que ela usava. Nem era das mais viciadas e eu tinha uma combinação com ela. Desde sempre, ela sabia que eu tinha as senhas e que entraria sempre que quisesse. Sempre fiz isso para desfazer as amizades que ela aceitava por exemplo com adultos. Criança não tem nada que ser amiga de adulto em redes sociais. Qual é o objetivo? Deletava tudo.
Ela ficou uma semaninha incomodada por não estar sabendo de todos os passos das amigas e também de não poder publicar os seus.
Estamos quase em fevereiro e eu nunca mais voltei atrás no que começou como um castigo e se revelou como algo muito óbvio. Crianças e adolescentes não estão preparados pra enfrentar as redes sociais. Elas estão começando a entender quem são, do que gostam. Estão finalmente aos 11, 12 anos se virando e se relacionando com pessoas desconhecidas, em situações cotidianas como fazer uma compra em uma loja, pegar um ônibus, ligar para pedir uma informação. Estão começando a enfrentar as pressões dos colegas, precisam em muitas situações ter força pra manter suas opiniões, pra discordar ou pra concordar.
Entre as amigas é uma loucura porque se uma discorda, a outra fica chateada, mas se ela concorda, a amiga diz que ela não tem personalidade. Algumas se agrupam e acham que a outra é infantil. As outras reagem e dizem que o outro grupo é das metidas. Conviver com isso é o feijão com arroz do adolescente, mas hoje vem acompanhado das indigestas redes sociais. Se uma criança posta no Instagram uma foto sua com duas amigas na piscina, no mesmo instante tem outra amiga em algum lugar que se sente infeliz e excluída.
Presenciei uma coisa muito esquisita. Minha filha estava mandando um recado corriqueiro, via SnapChat pra uma amiga. Algo como “Vamos ao cinema?” Ela gravou com uma entonação. Ouviu, não gostou, apagou. Gravou com outra entonação. Apagou. Gravou de novo, ouviu, aprovou, enviou.
Isso é muito doentio. Edição da vida real. É mais importante enviar uma mensagem muito fofa dizendo “Vamos ao cinema?” do que ir ao cinema.
Vieram as férias e ela passou a ligar para as amigas para fazer algum programa. Foi muito tranquilo e uma coisa curiosa aconteceu. A dependência que ela tinha de estar com as amigas para ser feliz, diminuiu absurdamente. Sem as redes sociais, sem poder assistir todas as aquisições, viagens, caras fofas e citações que estariam cruzando o espaço virtual, ela olhou pra casa dela, pra ela mesma, para as cachorras, procurou o que fazer, acalmou, sentou, viu filmes, ouviu músicas sem que ninguém dissesse que eram boas, ruins, sem comparar as pronúncias em inglês que têm que ser perfeitas entre elas, afinal são todas praticamente estrelas de seriados da Disney, estrelando em seus Facebooks.
Sem redes sociais, a pré-adolescente… desenvolveu habilidades cerebrais nunca antes observadas com o cubo mágico, completando lados com uma rapidez incrível. A cada lado completado, a pré-adolescente se empolga mais e faz em menor tempo. Isso se traduz em satisfação pessoal.
Ao perceber que teria que viver, em vez de ver a vida alheia ou contar o que estava vivendo sem de fato estar, a pré-adolescente passou a providenciar coisas para fazer: planeja férias em lugares legais, economiza dinheiro para realizar planos futuros e reais; fotografa coisas interessantes sem que elas tenham que ser mostradas para as amigas; vê filmes que não estão passando no Disney Channel, passou a conhecer Alfred Hitchcock e já viu “Os pássaros”, “Vertigo” e ” Janela Indiscreta”, Conheceu Jerry Lewis e percebeu que já existia um careteiro antes de Jim Carrey; Acha a “Violetta” uma chata. Parou de cantar aos berros músicas em espanhol e agora canta Beatles, Led Zeppelin, Eric Clapton.
A pré-adolescente, sem poder exibir suas conquistas diárias com “partiu piscina”; “#ganheiumvans; #meutiovaimedarumlong, passou a se deleitar verdadeiramente com as pequenas coisas do cotidiano.
Recentemente, ela me pediu um telefone novo de aniversário. Eu disse que não, mas que se ela tivesse dinheiro, poderia comprar. Ela vendeu roupas usadas, pediu dinheiro de aniversário, dei mais 300 reais pra inteirar e ela comprou o celular dela. E não teve que contar pra ninguém, mostrar pra ninguém. Aprendeu a deleitar-se com sua conquista. E ficou feliz!
Acontece que uns 15 dias depois foi brincar na casa da amiga que não está com as restrições que ela está. Adivinha o que aconteceu. A amiga imediatamente fotografou o celular novo e postou no Instagram com a legenda #perfeito.
No mesmo instante outra amiga perguntou de quem era aquele telefone novo. Ela respondeu que era da minha filha – que estava ao lado assistindo. A outra amiga reclamou porque ela havia escolhido a cor que ela havia dito que gostava e protestou: “Igual ao meu!” A amiga perguntou então: “Você comprou um também?” Resposta: “Ainda não, mas quando eu comprar será dessa cor”.
A antecipação, a comparação, a competição que as redes sociais provocam nos adultos que quase sempre ficam deprimidos ao perceberem com a vida dos outros é incrível, causa uma devastação na autoestima dos adolescentes.
Observações finais até aqui: a pré-adolescente que passava os dias preocupada em fazer parte, em mostrar o que sabe, o que tem, o que gosta, que gosta do que todo mundo gosta, ou que gosta do que ninguém gosta, está mais segura, calma, legal. Conversa muito mais com todo mundo ao vivo. Fala melhor ao telefone. Pensa com a própria cabeça. Tenta descobrir o que a faz feliz sem se preocupar se a sua felicidade é aceitável para as amigas.
O que começou como um castigo temporário, virou regra.
Redes sociais para pré-adolescentes, só com supervisão, em doses homeopáticas.
Aqui em casa, dieta zero.
Apenas como dado curioso, trabalho com internet desde 1995, criei em 1996 um dos primeiros sites onde a participação do usuário gerava o conteúdo do site e não vivo sem internet, mas tenho que admitir que infância e adolescência não combinam com redes sociais.
Os desdobramentos da nossa história você pode acompanhar no blog Muié do Meio do Mato.
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