Tumblr "Esses paulistas..." aparece na esteira de "Esses nordestinos".
As duas páginas reúnem manifestações de preconceito regional na internet.
Após o aparecimento da página "Esses nordestinos", que compila manifestações de preconceitocontra nordestinos e nortistas nas redes sociais, foi criado "Esses paulistas", com objetivo de expor ofensas contra os eleitores de São Paulo também em razão dos resultados do primeiro turno da eleição.
"Esses paulistas" é também usa um Tumblr, ferramenta de blog e redes sociais, para divulgar os posts ofensivos. Há um aviso na página em que o autor diz repudiar "todo e qualquer tipo de preconceito, seja contra nordestinos, sulistas, paulistas etc". Não há um espaço para contato com o criador da página.
Entre os posts que "Esses paulistas..." compilou, há palavrões, ofensas com citações à votação que reelegeu Geraldo Alckmin como governador e manifestações de violência.
Os posts registrados nos dois Tumblrs estão caracterizados na Lei n.º 7.716/89, que trata do crime de discriminação ou preconceito de procedência nacional. Quem publica mensagens com essa conotação pode responder por crime. Há cinco dias, o Ministério da Justiça postou uma campanha no Facebook em que prega não confundir "discurso de ódio com liberdade de expressão".
Ofensas aos nordestinos
O tumblr "Esses nordestinos..." foi criado por um jovem de 22 anos, do Recife, que prefere não se identificar por medo de represálias. Ele afirma que, em menos de 24 horas, uma das autoras das mensagens pediu desculpas e despublicou o texto. "Valeu a pena só pelo pedido de desculpas", disse o rapaz.
"Ela mandou um email em que se explicava e pedia desculpas, pois tinha feito o post de cabeça quente. Disse que tiraria o post do ar. Meu objetivo era exatamente esse, o da reflexão. Ela pediu desculpas e senti sinceridade. Não quero julgar ninguém. Por isso retirei da minha compilação o post que ela havia feito contra os nordestinos", disse o dono da página de protesto.
Em outro post, um internauta sugere o desejo de separar o Nordeste do país. A compilação feita pelo jovem pernambucano ainda registra ofensas com palavras de baixo calão, palavrões e que chamam o Nordeste de favela do Brasil. "Já sofri preconceito por ser nordestino tanto na internet, pois me senti ofendido com todos esses posts e também na vida real. Há uma visão estereotipada do Nordeste, infelizmente estamos vivendo isso nos dias atuais", disse o rapaz.
Condenação pioneira
Em maio de 2012, a estudante Mayara Petruso foi condenada a 1 ano, cinco meses e 15 dias de reclusão pela Justiça de São Paulo por ter postado mensagens preconceituosas e incitado a violência contra nordestinos em sua página no Twitter, em outubro de 2010. A pena, no entanto, foi convertida em prestação de serviço comunitário e pagamento de multa e indenização de R$ 500. A decisão é de 1ª instância e cabe recurso. A reportagem do G1 tentou fazer contato telefônico com os advogados de defesa da jovem para saber se eles entraram com recurso, mas não conseguiu localizá-los.
A condenação da estudante é considerada no meio jurídico como pioneira e serve de referência acadêmica.
Crime cada vez mais comum
Para Gisele Arantes, advogada especialista em direito digital, esse tipo de crime é cíclico e tem se tornado cada vez mais comum. "É crime, sim. O que a gente tem percebido é que tem aumentado bastante a incidência da discriminação nas redes sociais, principalmente contra os nordestinos. Tivemos um caso de um acidente de ônibus de nordestinos, em que 20 pessoas morreram e houve uma mobilização na internet dizendo que deveriam morrer mesmo. Esse caso está sendo investigado pelo Ministério Público do Ceará".
A advogada explica que o direito de livre expressão está garantido na Constituição, mas que deve ser ponderado com o direito de outras pessoas. "Essas pessoas estão extrapolando o direito de se expressar nas redes sociais, fazendo o que consideram ser piadas, mas acabam cometendo crime. As pessoas confundem o seu direito, têm o direito de liberdade de expressão, mas ele é limitado, ele pode ser exercido, desde que não atinja o direito de outra pessoa", disse Arantes.
Posts em redes sociais mostram discriminação contra nordestinos (Foto: Reprodução/Twitter)
Penas brandas
Segundo a advogada, para situações de discriminação há duas formas de punição. Uma delas é por meio de indenização por danos morais, na esfera cível. A outra é a punição pelo crime de ofensa à honra, na esfera criminal. "As penas são muito brandas mesmo. Essa lei é de 1989, quando a gente nem tinha internet ainda no Brasil. Foram penas criadas de acordo com os meios de comunicação existentes à época, que eram bem menores do que hoje. Essa é uma questão que deveria ser revista pelo poder legislativo", disse Gisele.
Quando decretada, a Lei n.º 7.716/89 não especificava as redes sociais na internet, que posteriormente, em 2010, foram incluídas como meios "eletrônicos" ou "rede mundial de computadores."
Para Jair Jaloreto Júnior, advogado especialista em direito digital, a legislação precisa de ajustes. "Hoje, há a possibilidade real e rápida da pessoa tentar se ocultar sobre o manto da rede social. Mas pode-se quebrar o sigilo do protocolo da internet e assim provar a materialidade do crime. A multiplicação dos crimes cometidos pela internet sobre racismo e contra a honra poderia ser aumentado. Há crime e a lei estabelece punição. A virulência da coisa, no entanto, não pune adequadamente em face do resultado alcançado. Creio que merece, em tese, uma revisão legislativa. Justiça rápida é justiça eficaz. Quanto mais lenta a justiça, menos eficaz ela se torna", concluiu.
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