quarta-feira, 4 de julho de 2012

Wireless Mundi: ENTREVISTA - Vânia lúcia Ribeiro Vieira " Lei do Acesso: agora, é construir uma nova cultura."


Lei do Acesso: agora, é construir uma nova cultura.

Em vigor desde o dia 16 de maio, a Lei do Acesso à Informação demanda uma nova atitude por parte dos funcionários públicos. Agora, todo documento é público. Só estão cobertos pelo sigilo os casos previstos na própria Lei.

A Lei do Acesso à Informação, que entrou em vigor no dia 16 de maio deste ano, inaugurou uma nova e importante etapa na democracia brasileira. A transparência das informações e o amplo acesso a elas por qualquer cidadão dá qualidade ao exercício da cidadania, amplia o controle do Estado e limita os desmandos e a corrupção.

Mas o caminho para o cidadão fazer valer os seus direitos estabelecidos na Lei não é simples. Nesta entrevista à Wireless Mundi, Vânia Lúcia Ribeiro Vieira, diretora de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União (CGU), relata que vencer a barreira da resistência cultural do servidor a fornecer as informações é um processo longo, como mostra a experiência de países que editaram leis semelhantes há muito mais tempo. Mas ela se mostra otimista com os resultados obtidos até agora e com o que se pode esperar para o futuro.

Mas tudo vai depender muito, como explica, do comportamento da sociedade. Ela tem que se organizar e criar formas de fiscalizar o cumprimento da Lei por estados e municípios, já que a CGU só tem competência para fiscalizar o cumprimento da Lei do Acesso à Informação em âmbito federal. Os estados e municípios podem estabelecer seus próprios órgãos de controle, da mesma forma que cabe a eles definir as punições para os funcionários que não cumprirem a Lei.

Wireless Mundi – Do seu ponto de vista, o que significa, para o Brasil, a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação? O que podemos construir, governos e cidadãos, para o país, a partir dela?

Vânia Lúcia Ribeiro Vieira – A entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação significa um importante passo para a consolidação democrática do Brasil e também para o sucesso das ações de prevenção da corrupção no país. Além disso, incrementa a participação popular e o controle social das ações governamentais, permitindo ao brasileiro que exerça sua cidadania e cobre seus direitos de forma legítima.

O cidadão bem informado tem melhores condições de conhecer e acessar outros direitos essenciais, como saúde, educação e benefícios sociais. O Estado, por outro lado, é obrigado a se estruturar para prestar informações de forma célere aos cidadãos, o que, de certo modo, impulsiona uma melhoria na gestão pública.

WM – A Lei de Acesso à Informação entrou em vigor no dia 16 de maio. Já é possível fazer um balanço de como está sua regulamentação pelos três poderes? E a participação dos cidadãos, está dentro das expectativas?

Vânia – Logo depois que entrou em vigor, fechamos a semana com 5.500 pedidos do público em geral, pessoas físicas e jurídicas.

WM – Vocês estavam esperando um volume desse porte?

Vânia – Eu acho que sim. A gente tinha uma expectativa de que na primeira semana da Lei em vigor a gente tivesse, de fato, um número maior de pedidos até porque existia já uma expectativa, uma espera muito grande da sociedade brasileira em torno dessa Lei. A gente sabe que grande parte desses pedidos, hoje, está sendo feita por jornalistas, então há interesse desse público muito específico, que de certa forma nos ajuda a promover a Lei de Acesso, disseminar sua existência.

Hoje, o campeão de demanda é a Susep (Superintendência de Seguros Privados). Não tenho elementos suficientes para dizer o porquê, mas acredito que existia uma demanda não atendida, mas também pode ser de setores empresariais que já se relacionam com a empresa e que já estão se valendo da Lei. O segundo é o INSS, o que indica, de fato, o uso da Lei pelo cidadão. E o terceiro é Banco Central. Neste caso também, embora ainda não tenhamos elementos para fazer essa análise, nos parece que há certa participação maior por parte do setor privado.

WM – Alguns países da América Latina já têm uma lei de acesso à informação, cada um à sua maneira. Em alguns, não houve avanço porque a sociedade não usou a Lei. A CGU tem instrumentos legais para que essa legislação cole no Brasil?

Vânia – Essa é uma das competências legais que são atribuídas a CGU, ou seja, promover o uso da Lei, mobilizar e capacitar cidadãos para que eles possam, de fato, exercer esse direito de acesso à informação. Nós temos plena consciência dessa grande responsabilidade, de que a gente possa de fato fazer com que as pessoas se apropriem desse direito.

WM – Para a cidadania, para o brasileiro, qual é principal vantagem/conquista que esta Lei traz? Qual o divisor de águas?

Vânia – Eu acho que esta Lei avança muito no sentido de estabelecer regras e procedimentos para o exercício do direito de acesso à informação. Até então, o que a gente tinha no Brasil eram leis que regulamentavam o sigilo; agora, a gente tem uma Lei que regulamenta o acesso. E regulamentar o acesso é exatamente estabelecer essas regras de quem pode pedir, quem é obrigado a dar, em que prazo e quais as consequências pelo descumprimento desses procedimentos. Então, é de fato um arcabouço, um conjunto de normas que visam garantir o exercício desse direito.

Talvez, uma das grandes novidades seja exatamente o fato de que o cidadão não precisa justificar por que ou para que ele quer ter acesso àquela informação, como acontecia anteriormente. Nós rompemos com isso [a necessidade de justificar a motivação] com a Lei de Acesso à Informação. Não há mais que se falar em interesse, em justificativa. O raciocínio da lei é inverso, a lógica é inversa. Se a informação não está classificada como sigilosa e não se trata de informação de caráter pessoal, ela é automaticamente pública e acessível a qualquer um.

WM – Há algum limite na liberação das informações? Algumas empresas alegam que, quando a relação é privada, o Estado não poderia liberar as informações...

Vânia – O decreto que regulamenta a Lei já trouxe alguns parâmetros importantes para a definição desse limite. Primeiro, é importante observar que aquilo que é passível de ser classificado como sigiloso, já está previsto na própria Lei. Nós temos um rol taxativo. Só podemos classificar de sigilosa as informações que se enquadram em uma daquelas hipóteses previstas na Lei.

WM – Por exemplo?

Vânia – Segurança do Estado, segurança da sociedade, inteligência, auditorias e investigações em andamento, estabilidade econômica e financeira, relações diplomáticas. A Lei brasileira segue exatamente os padrões internacionais no que tange a hipótese de sigilo. Além disso, também é importante destacar que a Lei de Acesso à Informação não revogou sigilos previstos em legislações específicas. O que significa que os sigilos comercial, industrial, bancário, fiscal, profissional estão todos mantidos.

WM – E o salário dos funcionários?

Vânia – O salário é uma questão interessantíssima. A própria presidenta determinou, no decreto do Executivo, a divulgação do salário do Executivo federal exatamente por entender que remuneração de servidores não se enquadra no conceito de informações pessoais protegidas pelo sigilo, que são a intimidade e a privacidade. É uma discussão que eventualmente nós poderemos ter no judiciário, se houver recurso por parte de funcionários ou suas entidades.

Nós já temos precedentes nesse sentido, lembrando que a Prefeitura de São Paulo foi o primeiro órgão a divulgar remuneração e houve reação, contestação no judiciário em primeira e segunda instância. A prefeitura perdeu, teve que deixar de divulgar, mas depois a ação chegou ao Supremo [Tribunal Federal] que mandou divulgar. É uma questão ainda em aberto no judiciário porque essa decisão do Supremo não é definitiva. Era uma liminar.

WM – De que forma essa lei afeta ou orienta as legislações estaduais e municipais, qual sua expectativa em relação a isso?

Vânia – A Lei de Acesso à Informação é de âmbito nacional. Então, ela se aplica a todos os poderes em todas as esferas federativas. O que estados e municípios precisam fazer é regulamentar aqueles pontos que dependem de regulamentação. São aspectos administrativos da aplicação da Lei, como, por exemplo, qual é o órgão que vai funcionar, no âmbito de cada estado e de cada município, como instância recursal. A lei prevê que, no caso federal, é a CGU. Isso também vale para autoridade competente para classificar as informações. No âmbito federal isso já foi previsto. Mas são pontos muito específicos da Lei, que na maioria dos seus dispositivos é de autoaplicação. Vários estados e municípios, a partir da data em que a lei entrou em vigor, já editaram os seus decretos de regulamentação. Alguns estados entenderam que, ao invés de mandar projeto de lei para as assembleias legislativas, bastava um decreto do governador. São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia fizeram isso.

WM – Você acha que os estados e municípios estão preparados para se adequar a esta Lei, tanto do ponto de vista dos sistemas de informática como do ponto de vista cultural?

Vânia – É claro que esta Lei, com o excessivo rigor que ela impõe, o prazo extremamente exíguo – são apenas vinte dias prorrogáveis por mais dez para entregar a informação –, pressupõe que essa informação esteja organizada para saber onde encontrá-
la. Não é um trabalho trivial. A gente sabe que, em muitos países, o tempo de preparação dos governos para implementação das normas foi muito maior do que o nosso. Só para você ter um exemplo, enquanto nós tivemos seis meses para nos preparar, o Reino Unido teve cinco anos. E aqui a gente ainda teve essa questão de aplicar a Lei ao mesmo tempo nas três esferas de governo, sem distinguir municípios maiores e menores.

É um desafio muito grande. Não podemos também nos esquecer de que a Lei inovou em estabelecer a internet como meio prioritário de divulgação das informações. A Lei previu um conjunto mínimo de informações que deverão estar necessariamente nos sites dos órgãos e entidades públicos, com exceção de municípios com menos de dez mil habitantes. Eles podem divulgar as informações por outros meios. Essa foi a única exceção.

WM – De que forma a CGU vai se certificar de que os municípios estão cumprindo a Lei, vai criar um comitê de fiscalização?

Vânia – Na verdade, nós não temos competência para certificar, nós não acompanhamos o processo de implementação da Lei pelos estados e municípios e pelos outros poderes, judiciário, legislativo e Ministério Público. A competência da CGU é restrita para o executivo federal.

Assim, vai caber à própria sociedade acompanhar o cumprimento da Lei nos estados e municípios. É isso que vemos nos outros países, a própria sociedade se organiza e desenvolve ferramentas, metodologias para fazer esse tipo de acompanhamento.

WM – A Lei prevê algum tipo de punição, se as determinações não forem cumpridas?

Vânia – Sim. Prevê a responsabilização do servidor e essas punições são rigorosas. Mas nos casos dos estados e municípios, eles vão ter que regulamentar sua própria punição. Isso é uma coisa que a Lei nacional não poderia resolver, porque seria um confisco de competência.

WM – Há ainda resistências culturais em relação a dar o acesso à informação. Você acha que no Executivo federal isso está bem resolvido ou ainda há problemas? Quais seriam esses focos?

Vânia – É praticamente impossível a gente falar que nós já estamos imunes a resistências culturais. Isto porque, pela própria experiência comparada, os países que já têm esse tipo de lei há anos, até hoje não dizem que todos os problemas e resistências culturais já foram superados. Ao contrário, todos os especialistas com quem conversamos afirmaram que o problema cultural é o maior desafio a ser vencido, quando se fala em acesso a informação. E é natural, a gente vem de uma lógica
da própria formação do Estado, de você ter na origem da criação o autoritarismo, informação é sempre vista como poder, e outras coisas desse tipo. Então a gente vai inevitavelmente enfrentar esse tipo de problema.

Agora, como é que se vence esse tipo de problema? Vence com determinação e com vontade, inclusive com vontade política. E o que nós temos visto no âmbito do executivo federal, desde a entrada em vigor da lei, é que há uma nítida, uma clara intenção e determinação – e ai eu posso dizer da própria presidenta – de que essa lei deve ser vista como prioritária e de que deve ser cumprida.

Então, desde o início do ano – a Lei foi sancionada em 18 de novembro – em dezembro ainda nós já estávamos trabalhando e preparando todos os órgãos do governo federal para aplicar a Lei. Hoje, acho praticamente impossível você chegar a qualquer órgão da Esplanada, em qualquer entidade federal que as pessoas não estejam sabendo dessa lei.

WM – Houve um orçamento específico para informatização dos órgãos?

Vânia – Na verdade, não houve nenhuma previsão orçamentária para isso. O que é que aconteceu? Os órgãos, as entidades, inclusive empresas, todos tiveram que trabalhar para readequar os sites na internet para dar o que a gente chama de transparência ativa.

Você já deve ter visto os sites, todos têm um banner padrão que foi estabelecido, que dá acesso a uma página específica sobre acesso à informação, informações mínimas e tudo o mais. Então, nós nos dedicamos muito a essa questão da transparência ativa que todos têm que atender.

WM – Você acha que é esse o caminho que estados e municípios devem percorrer?

Vânia – Eu acho que sim, porque, pela nossa experiência, quando o governo como um todo se organiza para espontaneamente, proativamente, dispo-
nibilizar informações na internet de forma mais simples, mais fácil e compreensiva possível, a tendência é de que a demanda seja reduzida. Se as pessoas conseguem encontrar a informação na rede, é óbvio que elas não vão pedir a informação por outros meios. Mas temos que estar preparados também para atender aos pedidos pontuais. E para isso, você deve saber que a CGU desenvolveu um sistema eletrônico único e centralizado para todo o governo federal.

WM – É por meio desse sistema que vocês podem fazer uma radiografia de como está andando a aplicação da Lei?

Vânia – Exatamente. Monitorar e saber como andam os pedidos. Neste primeiro momento, como existe uma expectativa alta, inclusive da própria imprensa, a gente tem divulgado balanços quase diários sobre o número de pedidos, mas o que a Lei efetivamente prevê é a divulgação de um relatório anual. Inclusive esse relatório será encaminhado oficialmente ao Congresso Nacional, com toda a análise.

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