segunda-feira, 22 de julho de 2013

Folha de S.Paulo: O problema com os óculos do Google.



A teoria do Big Bang é a melhor explicação até agora para a origem do universo.Ela tem, no entanto, dois probleminhas de origem semântica: não foi "big", já que era uma partícula infinitesimal, nem fez "bang", pois o som não se propaga no vácuo. O nome surgiu da ironia de um de seus opositores, o físico Fred Hoyle.

Os novos óculos cibernéticos propostos pelo Google enfrentam um problema semântico parecido. São uma grande invenção que teria tudo para vingar se não fossem óculos. Ou se não fossem do Google.

Se você esteve em Marte ou São Tomé das Letras nos últimos seis meses, vale um pequeno esclarecimento sobre os tais Google Glass: como o nome diz, são óculos que acessam a Internet, pesam praticamente o mesmo do que um par comum e, considerada a tecnologia que portam, são razoavelmente discretos.Disponíveis por enquanto apenas para desenvolvedores por US$ 1.500, eles penduram uma tela de alta definição à frente do olho direito e são capazes de realizar pequenas tarefas com comandos de voz ou movimentos da cabeça, como a captação de fotos e vídeo, envio de mensagens e pesquisa na Internet.

Seus fabricantes defendem que os óculos darão a seus usuários o acesso a conteúdos de forma tão rápida e transparente que mudará sua relação com o conhecimento. Seus críticos, por outro lado, alertam que câmaras em óculos podem representar um grande potencial de vigília e invasão de privacidade.

Por si, os óculos do Google não têm nada de novo. Suas funções podem ser executadas por qualquer smartphone com tecnologia bluetooth e acessórios remotos. Telas presas à cabeça já existem há algumas décadas para usos militares, aplicações de simulação e para quem precise liberar as mãos. Câmaras pequenas e leves como as GoPro, presas a capacetes ou ao corpo, são comuns entre praticantes de esportes radicais.

O Glass é o produto mais comercial do laboratório GoogleX, que desde 2010 tem investido em tecnologias experimentais, como os veículos autônomos que andam sem a necessidade de motorista. Construído nos moldes dos laboratórios da AT&T, Bell e Xerox, responsáveis pela invenção do transístor e do PC, entre outras descobertas, ele busca tecnologias que parecem mais próximas de cenários de Jornada nas Estrelas do que das demandas de acionistas que investiram em uma empresa de busca e links patrocinados.

Entusiastas do Glass o comparam com o primeiro computador da Apple, uma categoria nova de produtos que levou a tecnologia de consumo a outro patamar.Em 1977, não se imaginaria um computador em casa para usos não profissionais. Mas a "inovação" da Apple é muito menos radical. Tanto seu PC e sistema operacional (Mac) quanto seu MP3 player (iPod), seu tablet (iPad) e smartphone (iPhone) são melhorias de projetos, dispositivos para os quais já se imaginava um certo uso, mesmo que não tão abrangente.

O óculos do Google, por outro lado, são aparelhos para os quais não há modelo mental ou finalidade imaginada. Se é verdade que uma boa parcela da população usa óculos o tempo todo para tratar de deficiências da visão, toda uma indústria de cirurgias ópticas e lentes de contato existe para acomodar os anseios de quem não se acostuma com armações presas ao rosto.

Para piorar, o Google acumula um histórico de fracasso em produtos sociais, que só agora começa a se reverter com o Plus. Sua tradição de hardware tampouco é das melhores. Mesmo tendo adquirido a Motorola, que um dia foi a fabricante dos celulares mais bonitos e descolados, ele ainda usa aparelhos da Samsung para mostrar os últimos desenvolvimentos de seu sistema operacional Android.

Mas a verdadeira questão a ser levantada pelo Glass é a da privacidade. Não está claro o que o Google faz com tantos dados coletados de seus usuários, nem de quanto é repassado para governos e departamentos de Marketing. A empresa não comenta as críticas que vem recebendo com relação à invasão de privacidade, talvez por medo de alimentar um pânico generalizado ou estimular usos indevidos. Considerado o nível de irracionalidade com relação ao uso dos dados, pode ser uma boa prática.

As limitações dos óculos do Google por enquanto estão apenas restritas à imaginação de seus usuários. Não demorará para que se possa tirar fotografias com uma piscadela ou acessar o perfil de Facebook e Linkedin instantaneamente, tornando a privacidade uma realidade cada vez mais remota.

Com ou sem Glass, um fato é inquestionável: tecnologias vestíveis e Internet das coisas são os próximos passos dos eletrônicos de consumo. Na forma de pequenos sensores conectados a antenas, não tardará para que coletem a informação gerada e desperdiçada diariamente, reciclando-a na forma de produtos e serviços que aumentam a qualidade de vida de seus usuários na mesma proporção que os transformam ciborgues.

Fonte: Radfahrer, Luli . "Folha de S.Paulo - Colunistas - Luli Radfahrer - O problema com os óculos do Google. - 22/07/2013." Folha Online. http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luliradfahrer/2013/07/1314415-o-problema-com-os-oculos-do-google.shtml (accessed July 22, 2013).

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