terça-feira, 29 de abril de 2014

IDG Now: Marco Civil provocará muitas batalhas jurídicas. Quer saber quais?


Há um consenso entre os defensores do Marco Civil da Internet: as batalhas para garantir a sua aplicação serão inúmeras e duras. A maioria delas será travada em torno da aplicação dos três princípios basilares da lei: a neutralidade de rede, a privacidade e a liberdade de expressão.
A regulamentação de alguns mecanismos do Marco Civil é apenas uma das frentes onde os embates acontecerão. Outras frentes passam pelas adequações de práticas correntes, no judiciário e na iniciativa privada, a partir das novas regras estabelecidas com a entrada da lei em vigor, em 22 de junho de 2014.

Neutralidade
Por exemplo: na interpretação das teles, o princípio de neutralidade de rede, conforme disposto no Marco Civil, não impede serviços como a Banda Larga Móvel 0800, a gratuidade de acesso às redes sociais via telefonia móvel e até acordos como o firmado pela NetFlix com a Comcast nos Estados Unidos, uma vez que ele caracteriza contratação de banda na última milha e não controle de pacotes.

Frisando não estar falando em nome da Anatel, onde é conselheiro, o advogado Marcelo Bechara, argumenta que o texto da legislação recém sancionada dá margem para alguns questionamentos. Entre eles o de facultar o estabelecimento de contratos entre as teles e os serviços OTT, onde se encaixam a Netflix, o Facebook e o Twitter.

“A neutralidade de rede do Marco Civil é a neutralidade de rede da camada de conexão. Isso está bem definido no artigo nono quando ele diz que o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. Transmissão, comutação e roteamento estão na camada de conexão, não na de aplicação. Quem faz isso? Teles e provedores de acesso, não os provedores de aplicação, os OTTs”, explica Bechara. Portanto, na sua interpretação – que coincide com a de membros do SindiTelebrasil – o acordo como o assinado entre a Comcast e a Netflix seria perfeitamente legítimo no país, bem como os acordos do Facebook, do Bradesco e do Twitter com as operadoras móveis.

O entendimento parece ser o mesmo da FCC, nos Estados Unidos, nesse momento, ao propor novas regras sobre neutralidade que permitam que empresas como a Disney, Google ou Netflix paguem os fornecedores de serviços de Internet como Comcast e Verizon por banda extra na última milha. “Em teoria, os contratos de cima para baixo com o pessoal de última milha não tem relação com regulação pacotes de dados. Isso é contratação de mais banda”, explica Carolina Rossini, do Open Technology Institute. Mas esse novo modelo de negócio não afeta os mesmos interesses públicos que o Marco Civil tenta promover ao dispor sobre neutralidade? Como tratar isso?

Em entrevista durante a conferência NETmundial, o deputados Alessandro Molon, autor do texto do Marco Civil aprovado pelo Congresso, esclareceu alguns pontos. Em relação aos serviços de Banda Larga 0800, Molon disse que o governo já está revendo esses contratos, caso a caso, para analisar se há ou não quebra de neutralidade em cada um deles. “Vamos analisá-los juridicamente, à luz da neutralidade”.

Já em relação a acordos entre provedores de aplicações OTT com operadoras, Molon é bem claro: o texto atual já não permite nada parecido. “A neutralidade não permite que haja privilégio no tráfego em função de origem, destino, conteúdo, serviço ou aplicação, diz o deputado. “A mesma velocidade de Netflix seria oferecida para todos os usuários? Ainda assim, embora não haja discriminação em função do destino, há discriminação em função da origem”, alega Molon, garantindo que esse enfrentamento ele vai fazer, já que no seu entendimento isso é uma tentativa de contornar a lei.

Na opinião do deputado, ao permitir esse tipo de modelo de negócio, a FCC deu uma passo atrás. “Nós demos um passo para frente. É lamentável a decisão que foi tomada lá. O Brasil fez o que é certo. A Europa está caminhando na mesma direção do Brasil”, afirma.

Como há muitas questões técnicas envolvidas nesses acordos das operadaoras com as empresas de serviços OTT, ninguém é capaz de afirmar, categoricamente, se o assunto deve ou não ser tratado na regulamentação das exceções da neutralidade. Alguns acham que autorizar aos provedores da rede a separar o transporte e aplicação em camadas da Internet acarretará no declínio dos padrões fundamentais da Internet.

Privacidade e proteção de dados pessoais
Outros temas espinhosos, que darão margem à muita controvérsia, dizem respeito aos artigos que versam sobre privacidade (7º) a guarda dos registros de conexão e acesso (10 ao 17) e o tratamento dos dados pessoais (também o 7º). Muitos desses pontos serão necessariamente revistos, em função da necessidade de regulamentação posterior. Outros, em função de divergências de interpretação.

A sociedade civil, por exemplo, já está trabalhando na construção de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra o Artigo 15, que obriga a guarda dos dados de acesso dos provedores de aplicação (redes sociais, correio eletrônico, etc) por seis meses. Argumenta que ele favorece o vigilantismo.

“O Marco Civil foi tristemente inovador, no sentido de que não há nenhum outro país que obrigue a guarda de registros de acesso a aplicações internet, mesmo sabendo que a delimitação dessa obrigação ainda depende de regulamentação, explicou Danilo Doneda (Ministério da Justiça), hoje, durante o IV Fórum da Internet no Brasil.

De acordo com Molon o artigo 15 é a outra face da moeda do princípio de imputabilidade do meio. “Quando a gente diz que as redes sociais ou qualquer outro provedor de aplicação não é responsável pelo conteúdo até que um juiz mande esse conteúdo ser retirado após pedido de uma vítima de difamação, calúnia ou injúria precisa ter meios de chegar ao responsável, ao autor do crime”, afirma Molon. “Esse artigo não obriga a uma guarda generalizada de dados. Visa atendar a uma necessidade específica que é a apuração de eventuais crimes cometidos pela internet”, explica o deputado.

O alcance dessa regra vai ser definida pela regulamentação. A regulamentação deixará claro, por exemplo, quais empresas deverão guardar esses dados, quais dados deverão ser retidos e quais autoridades poderão ter acesso aos dados retidos, mesmo que única e exclusivamente mediante ordem judicial. Durante debate com internautas no Facebook, na manhã de ontem, a presidente Dilma confirmou essas informações e ainda procurou tranquilizar os ativistas garantindo que o decreto que regulamentará a retenção de dados será amplamente discutido, pela internet e com toda a sociedade, para coibir eventuais abusos.

As únicas exceções no Marco Civil, no que se refere a exigência de medidas judiciais para acesso de autoridades administrativas a dados, estão previstas no artigo 10, que de acordo com Molon, refere-se apenas a dados cadastrais. “Coaf, Cade e Receita Federal, já podem, a partir de leis específicas, terem livre acesso aos dados cadastrais. Não é qualquer servidor público, apenas os que exercem determinados cargos nessas três instituições, além da polícia e do Ministério Público, que podem ter esse acesso, e nas formas previstas nas leis específicas”, diz Molon.

Com relação à privacidade, Carlos Affonso, do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro, prevê questionamentos por conta da necessidade de consentimento expresso para coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais. Questão relacionada com termos de uso de muitos serviços na internet e também com atividades como marketing dirigido, marketing e publicidade digital, estratégias de retargeting, etc.

“A aplicação do termo de uso e ciência vai ser importante para o Marco Civil. Requer o consentimento expresso para o tratamento de dados é algo que certamente vai causar certa inquietação na indústria”, afirma Carlos Affonso.

“Imagine uma situação de alguém postando um foto no Facebook onde apareça uma pessoa que não tenha acesso à rede social. A informação dessa pessoa será tratada. Mas o Marco Civil diz que o Facebook só pode tratar dados pessoais se essa pessoa tiver dado o consentimento prévio expresso, o que ela não fez, por não ser usuária da rede social”, completa. Como tratar casos assim? “Aqui a gente tem um típico problema de interpretação do Marco Civil que vai gerar controvérsia”, completa CA.

Além disso, na opinião de muitos empresários, o Marco Civil vai impactar diretamente nas estratégias de retargeting das empresas, principalmente de empresas de e-commerce. A regra sobre a não permissão de busca de dados de navegação dos usuários tem total relação com uma nova demanda que surge para suprir essa lacuna que vai acontecer no marketing digital, uma vez que o retargeting depende diretamente disso.

Liberdade de expressão
Ao fim do primeiro dia de debates do IV Fórum da Internet no Brasil, ficou claro que o Comitê Gestor da Internet precisa tomar a frente de uma série de ações para auxiliar na aplicação do Marco Civil, como a produção de material para embasar o trabalho dos juízes dos tribunais especiais, que vão lidar com as autorizações aos pedidos de remoção de conteúdo, além de campanhas de conscientização da população sobre liberdade de expressão e crimes como calúnia e difamação.

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