quarta-feira, 31 de julho de 2013

Folha de S.Paulo: Novos aplicativos deduzem o que usuário quer antes que ele mesmo saiba



Em Hollywood, há pessoas cujo trabalho é segurar o guarda-chuva dos chefes.Do lado de fora dos escritórios de executivos importantes, existem pessoas que sabem exatamente a quantidade de creme que o chefe deseja em seu café. Nos castelos britânicos, a realeza conta com camareiros.

Mas agora temos o Vale do Silício, onde os assistentes pessoais capazes de ler os pensamentos de seus chefes vêm em forma de aplicativos para celulares.

Imagem do aplicativo Google 
Now em um iPhone.
Diversas companhias iniciantes e grandes empresas como o Google estão trabalhando em uma técnica conhecida como busca preditiva --novas ferramentas que funcionam como assistentes pessoais robóticos que antecipam aquilo de que você precisa antes que você peça. Bastará olhar o celular de manhã, por exemplo, para encontrar um alerta de que você precisa sair mais cedo para sua reunião devido ao trânsito, mesmo que você não tenha informado ao aparelho que tem uma reunião, ou onde ela acontecerá.

Como o celular sabe? Porque um aplicativo leu seus e-mails, pesquisou sua agenda de compromissos, rastreou suas localizações, computou os padrões de trânsito e calculou que você necessitaria de meia hora adicional para chegar de carro à reunião.

A tecnologia utilizada para isso é o mais recente desenvolvimento nas buscas de Web, e uma das primeiras concebidas especificamente para aparelhos móveis.Não requer nem mesmo que o usuário insira um termo de busca. Seu contexto --localização, horário e atividade digital-- serve como termo de busca, dizem os engenheiros que desenvolvem esses serviços.

Muitos tecnólogos concordam em que esses serviços provavelmente ganharão o mercado, e terminarão incorporados a despertadores, refrigeradores e espelhos de banheiro. Um app chamado Google Now já é parte importante do projeto Google Glass, óculos que permitem conexão à internet. Quando uma pessoa que esteja usando um Google Glass chegar ao aeroporto com as mãos ocupadas por bagagem, o app poderá exibir um alerta de que seu voo está atrasado.

O Google Now "está me fascinando, no momento", diz Danny Sullivan, editor fundador do site Search Engine Land, que estuda buscas há duas décadas. "E eu sou bem seletivo, certo? Já vi toda espécie de coisas que supostamente revolucionariam as buscas, mas na realidade não o fizeram. Mas o Google Now o está fazendo, agora".

Mas para algumas pessoas, a busca preditiva --também usada por serviços como Cue , reQall , Tempo AI , MindMeld e Evernote -- é apenas a mais recente intrusão em suas vidas, outra perturbação zumbindo e apitando nos bolsos, outra forma de garimpar nossa vida digital em busca de informações pessoais, embaralhando a distinção entre útil e repelente.

"Quanto à questão da repelência, depende de quem responde", diz Andrea Matwyshyn, professora assistente na Escola Wharton de Administração de Empresas, Universidade da Pensilvânia, que estuda as implicações judiciais da tecnologia. "O que funciona para um grupo de engenheiro da casa dos 30 anos no Vale do Silício pode não ser representativo da maneira pela qual executivos de Nova York na casa dos 60 anos usam seus celulares".

Muitos programadores de software sonhavam há muitos anos construir uma ferramenta como essa. A tecnologia está emergindo agora porque as pessoas estão desesperadamente em busca de maneiras de lidar com a inundação de informações digitais, e porque boa parte delas ficam armazenadas em nuvem, o que oferece acesso fácil para os apps.

"Não podemos continuar respondendo a 200 e-mails e participando de oito reuniões por dia", diz Rao Machiraju, co-fundador e presidente-executivo da reQall, que vende sua tecnologia a outras empresas que produzem aplicativos de assistência pessoal com suas marcas. "Temos uma tecnologia que não precisa esperar que o usuário faça uma pergunta, mas que antecipa o que ele precisa e qual é a melhor hora para fornecer o que ele quer".

Site do aplicativo Cue (cueup.com), de produtividade, 
que usa busca preditiva para deduzir anseios do usuário .

Os serviços adivinham o que o usuário deseja com base na trilha digital que ele deixa, por exemplo anotações de agenda de compromissos, e-mails, atividades de redes sociais e os lugares a que você leva seu celular. Muita gente usa serviços externos para coisas como cupons de descontos, notícias e informações de trânsito.

O Google Now, que está disponível há um ano para celulares Android e foi lançado para o iPhone em abril, informa quando é hora de sair de casa, se você tem uma reserva em restaurante. Isso acontece porque o app tem acesso a um e-mail do serviço de reservas Open Table recebido via Gmail, sabe de sua localização por GPS e verificou as condições de tráfego no Google Maps.

Dois dias antes de uma viagem, o serviço mostra o clima no local de destino, e quando você desembarca exibe informações de câmbio e a hora local e de origem. Peça em voz alta que Google Now o lembre de comprar leite da próxima vez que passar por um supermercado e o app exibirá um alerta quando você estiver em uma loja da rede Safeway.

O sucesso da busca preditiva, porém, é tão complicado quanto na vida real. Se você estiver em Londres em viagem de negócios, o que o app saberia com base em sua agenda de compromissos, é provável que queira um arquivo .pdf de trabalho. Se a viagem for de turismo, talvez você esteja tentando descobrir como chegar ao Big Ben.

"Quando você faz a busca, algo já pode ter falhado", diz Phil Libin, presidente-executivo da Evernote, uma produtora de apps cujo aplicativo mostra anotações anteriores relacionadas às circunstâncias atuais.

Muitos dos apps usam aprendizado mecânico para aprender a conhecer as pessoas, com o passar do tempo.

O serviço da reQall, por exemplo, pode bloquear telefonemas que interromperiam reuniões. Mas um dia, o filho pequeno de Sunil Vemuri, um dos co-fundadores da empresa, estava doente em casa na companhia do pai de Vemuri, que estava tentando falar urgentemente com o filho porque tinha dúvidas sobre os remédios. Porque ele ligou mais de uma vez, e o reQall sabia que os dois tinham o mesmo sobrenome e se falavam frequentemente, o app permitiu a interrupção da reunião.

Baris Gultekin, um dos diretores de produto do Google 
que ajudou a conceber o Google Now em Mountain View, 
Califórnia.

O objetivo é ir além da ajuda logística, e fornecer ao usuário tudo que ele deseje saber. Em maio, o Google acrescentou recomendações de livros, filmes e música ao serviço, por exemplo.

"Dentro de alguns anos, talvez seja possível imaginar que o assistente pessoal digital é um especialista em todos os campos de conhecimento humano", disse Amit Singhal, vice-presidente sênior de buscas do Google.

E a publicidade decerto acompanhará esses avanços. "Quanto melhor a informação que fornecermos, mesmo que os usuários não peçam, tanto melhor será a informação comercial que poderemos fornecer a empresas interessadas em promover produtos junto a eles", disse Larry Page, presidente-executivo do Google, a analistas, em abril.

Alguns céticos dizem que empurrar anúncios e outras informações indesejadas aos usuários pode irritar ou até constituir invasão da privacidade. Se você assistir a um trailer de cinema no YouTube, por exemplo, o GoogleNow pode enviar horários locais de exibição do filme quando este estrear em sua cidade.Mas e se você tiver odiado o trailer?

"As pessoas podem considerar que a interface mais incomoda que ajuda", disse Matwyshyn.

Baris Gultekin, diretor de administração de produtos do Google que ajudou a criar o Now, diz que a empresa está ciente do risco e é "muito conservadora" naquilo que exibe às pessoas.

Daniel Gross, co-fundador de outro app de assistência pessoal, o Cue, disse que é por isso que ele havia começado com alertas pelos quais o usuário já tivesse demonstrado interesse, por exemplo por meio de uma anotação em sua agenda de compromissos.

"É um problema realmente complicado, porque por um lado você quer dar a uma pessoa a melhor experiência que puder", ele diz. "Mas por outro não quer que a pessoa tenha um daqueles momentos esquisitos do vale --'isso está parecendo bom demais'".

Fonte: MILLER, CLAIRE CAIN . "Folha de S.Paulo - Tec - Novos aplicativos deduzem o que usuário quer antes que ele mesmo saiba - 30/07/2013." Folha Online. http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/07/1319022-novos-aplicativos-deduzem-o-que-usuario-quer-antes-que-ele-mesmo-saiba.shtml (accessed July 31, 2013).

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