A sorte está lançada. Criticado pelas operadoras de telefonia, que não gostaram da justificativa do relator para o princípio de neutralidade de rede, por provedores de acesso e de conteúdo, que garantem que o texto já não reflete o Decálogo do Comitê Gestor da Internet, e dá uma carta branca ao governo brasileiro para controlar o uso da rede e até por ativistas, que enxergam na ampliação das obrigações de guarda de registros de acesso a aplicações uma licença para o grampo compulsório de toda navegação realizada, invertendo o princípio constitucional da presunção de inocência, o Marco Civil da Internet começa hoje a ser debatido no Plenário da Câmara dos Deputados.
O relator, Alessandro Molon (PT/RJ), garante ter apoio da maioria dos partidos para aprovação do texto, sem muitas alterações. Mas a bancada do PMDB, liderada pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), pretende votar um destaque em separado recolocando no texto emendas desconsideradas pelo relator, de autoria do próprio Eduardo Cunha e do deputado Ricardo Izar (PSD/SP) que comprometem o princípio de neutralidade de rede como compreendido em todo o mundo: o tratamento isonômico do tráfego internet, salvo exceções de natureza técnica. Entre elas, a que dá às operadoras a possibilidade de oferta de “condições especiais de tráfego de pacotes de dados entre o responsável pela transmissão e terceiros interessados em provimento diferenciado de conteúdo, desde que não haja prejuízo ao tráfego normal de dados”. Você quer ver a sua banda larga fixa funcionando e sendo cobrada como a sua banda larga móvel? Eu não quero.
E não vejo no princípio de neutralidade defendido no Marco Civil uma ameaça a serviços como a cobrança reversa, que viabilizariam a tal banda larga gratuita para acesso a sites do governo e acordos como o acesso gratuito ao Twitter e a Facebook a partir de planos de determinadas operadoras móveis.
A votação do Marco Civil na Câmara, em tese, não esgotará o debate sobre muitas das questões que, certamente, ainda correm o risco de serem modificadas., como a própria neutralidade de rede, a imputabilidade dos provedores de conteúdo, a guarda dos logs de conexão e acesso, a obrigatoriedade do armazenamento em data centers localizados no Brasil, etc. O texto aprovado na Câmara, qualquer que seja ele, ainda passará pelo Senado, onde poderá sofrer novas mudanças a serem validadas ou não pela Câmara, novamente e pela sanção presidencial. Portanto, muita água ainda vai rolar até podermos nos orgulhar de sermos, talvez, o primeiro país do mundo a ter uma lei resguardando os direitos dos internautas e estabelecendo os deveres dos provedores de conexão e de acesso a serviços na rede.
Na última conversa que tive com Molon, o deputado me pareceu abatido, exausto mesmo, porém seguro de que o texto final, acordado com lideranças de diversos partidos, estaria redondo o suficiente para não sofrer demais nas votações na Câmara e no Senado. Suas convicções começam hoje a serem colocadas à prova. Em jogo, o desenho do mercado digital que teremos daqui a cinco anos.
É difícil motivar a massa de internautas a se envolver no debate de temas tão espinhosos. Mas é bom que essa massa saiba que, hoje, no Congresso, aqueles nos quais votaram começam a decidir se a Internet continua como é, ou vira uma rede de promoção de desigualdades e controle. E que sem pressão popular, poucos, defensores de interesses diversos, nem sempre nobres, podem atentar contra a privacidade e a livre iniciativa de muitos, em nome da segurança e livre iniciativa de poucos.
Princípios de neutralidade da rede estão no cerne da cultura internet. Acesso aberto e liberdade para inovar são amados por todos os envolvidos, bem como a proteção desses recursos é de fato uma questão indissociável da privacidade, liberdade de expressão, igualdade civil e progresso humano.
O equilíbrio entre a neutralidade imposta e a neutralidade consensual é o que deveríamos cobrar. Bem como o bom senso no que deveríamos guardar e onde.
A hora de se fazer ouvir é agora! E também nas urnas, em outubro.
“Se a Internet tropeçar, não será por falta
de tecnologia, visão ou motivação.
É porque não pudemos definir uma direção
e coletivamente marchar para o futuro.”
Bob Kahn
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