quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Folha: "Comodidade está mudando a cultura da privacidade", diz jornalista do NYT

RAUL JUSTE LORES


Quando sua filha adolescente começou a receber muitos cupons de desconto de produtos para gestantes, um cliente em Minnesota foi brigar com o gerente da Target, a grande varejista americana.

Uma semana depois, foi a vez de o homem pedir desculpas. "Havia coisas em casa de que eu não estava a par."

A Target já tem um mecanismo para descobrir a gravidez das clientes. O caso se tornou uma das reportagens mais lidas do "New York Times" nos últimos anos e mostrou como empresas cruzam dados a partir das compras no cartão de crédito e descobrem nossos hábitos.

O autor da reportagem, Charles Duhigg, 38, escreveu um best-seller, "A Força do Hábito", que investiga os padrões de ação e como empresas, governos, Exércitos e cidadãos comuns podem estudar e até mudar hábitos, com os estudos mais recentes da neurociência.

"Quarenta por cento de tudo que fazemos é hábito, repetição", diz Duhigg, formado em Harvard e Yale, em entrevista em Nova York.

Folha - Como a Target consegue descobrir quais clientes estão grávidas?

Charles Duhigg - Um matemático criou um algoritmo a partir do cruzamento de diversos dados sobre compras de mulheres grávidas. Depois de analisar milhares de compras, ele mapeou as mudanças nas quantidades compradas, produtos que elas nunca compraram antes e passaram a comprar, entre outros.

Grávidas são o pote de ouro do varejo. Compram muito e vão passar por uma transformação tão grande que muitos de seus hábitos de consumo também vão mudar.
Pais iniciantes têm pressa ao fazer compras e são os mais insensíveis à diferença de preço. Podem se tornar consumidores fiéis.

Como não assustar o cliente com essa investigação de hábitos tão íntimos?

A Amazon também faz ofertas de acordo com suas compras passadas e não causa escândalo. No caso da gravidez, é muito mais complicado. O departamento de marketing da Target adotou uma nova estratégia: misturar vários produtos para gestantes e bebês com produtos que elas talvez jamais comprariam. Berços com cortadores de grama, taças de vinho com fraldas, tudo parecia aleatório. As vendas do departamento de Mães e Bebês da Target explodiram.

Essas pesquisas serão ainda mais importantes no Brasil, onde há um grande número de novos consumidores que nunca foram pesquisados ou que estão desenvolvendo novos hábitos, gente que nunca teve uma casa ou um carro e agora tem.

Os limites à invasão de privacidade não vão dificultar essas estratégias?

Coisas que nos poupam trabalho criam esses bancos de dados. Se você não quiser entregar seus dados, poderá pagar com dinheiro em vez de cartão, poderá se negar a usar cartões de fidelidade, ganhar milhas etc. Mas, na verdade, você compartilha os dados para ganhar comodidade, é uma troca. Se alguém perguntar "você quer a privacidade invadida?", todo mundo vai dizer não. Mas, se disser "deixe seu endereço e vamos fazer entregas", você concorda. É duro legislar. A cultura da privacidade está mudando. Quem regulamentar mais terá talvez menos conveniência e inovação. Isso já acontece com os limites à internet na Europa.

Você conta a história de Travis Leach, um garoto cujos pais eram viciados em crack, em um lar absolutamente instável e que vira gerente do Starbucks. Não seria mais força de vontade do que de hábito?

Força de vontade e autodisciplina também se ensinam. A rede Starbucks, como outras, emprega muita gente em seu primeiro emprego. E que precisa saber reagir a clientes que gritam, que insultam, impacientes. Muitos desses garotos não estão preparados para tal desafio. Até que foram criadas listas de "primeiros socorros" de como reagir a cada situação.

Com 140 mil funcionários, eles precisam ensinar os baristas a colocarem seus problemas pessoais de lado, a não chegarem atrasados, a não se envolverem em dramas no ambiente de trabalho.

O que ensinam?

Os manuais da Starbucks ensinam como reagir a uma fila muito maior, a um cliente que grita ou é grosso, a antecipar problemas. Indivíduos têm hábitos, grupos têm rotinas e assim a rede conseguiu uma reação em cadeia para ganhar confiança. Várias empresas estão copiando esse método.

Você conta o sucesso de Paul O'Neill, quando presidente da Alcoa, por identificar rotinas erradas e conseguir unir gerentes e sindicatos. Como ele conseguiu isso?

Em uma empresa tão grande e antiga, você não pode dar um clique e esperar que as pessoas trabalhem mais e melhor. Ele decidiu que sua maior prioridade seria encontrar algo que fosse importante para todos. Ele decidiu que a empresa perseguiria o índice zero de acidentes.

Ele criou uma rotina. Quando ocorresse um acidente, o responsável pela unidade deveria reportá-lo a O'Neill em 24 horas e apresentar um plano para que nunca mais ocorresse. Promoções seriam exclusivas para quem abraçasse o sistema.

A velocidade obrigou a mudar os hábitos de comunicação de empresa, a mudar a hierarquia. Regras antigas foram mudadas. Aos poucos, essa nova comunicação contagiou a maneira da Alcoa de fazer negócios e ouvir boas ideias internamente.

Muitos leitores do seu livro vão atrás de uma fórmula para mudar seus hábitos, de comer melhor a entrar numa academia e não abandoná-la logo depois. Mas essa fórmula realmente existe?

O problema é que não há uma fórmula única de mudar os hábitos, há milhares delas. Indivíduos e hábitos são diferentes, então as especificidades do diagnóstico e das mudanças variam de pessoa para pessoa. Não há uma prescrição única.

As táticas que os pesquisadores mais usam são identificar uma rotina, ter consciência do hábito, experimentar pequenos prêmios a cada mudança, identificar a deixa que nos faz cair no hábito e ter um plano, um roteiro.

Qual exemplo você daria?

Quando comecei a fazer esse livro, eu comia um cookie todo dia, estava ganhando alguns quilos e minha mulher fez alguns comentários a respeito. Diagnosticada a rotina, qual era a deixa? Fome, tédio, falta de açúcar? Qual era o prêmio? O cookie, a socialização na cafeteria?

Então estudei a deixa nas variáveis tempo, lugar, estado emocional, outras pessoas e o que estava fazendo antes.

Descobri que ia atrás do cookie sempre no mesmo horário. E que buscava distração. Escrevi um plano.

Todo dia, às 15h30, irei na mesa de um colega para ter dez minutos de papo. Com alarme no relógio para lembrar. No final do dia, sentia um prazer de vitória. Virou um hábito. Outros são muito mais difíceis de mudar, com mais testes e fracassos. Mas a iniciativa é parecida.


Earl Wilson/The New York Times 


Charles Duhigg, jornalista do "New York Times" que investiga padrões nas ações de consumidores e empresas no best-seller "A força do hábito" 

RAIO-X
CHARLES DUHIGG
FORMAÇÃO
Estudou história em Yale e fez MBA na Harvard Business School
CARREIRA
É repórter do "New York Times" desde 2006
PRÊMIOS
George Polk Award, Sidney Hillman Award, Deadline Award, Scripps Howard National Journalism Award, Investigative Reporters and Editors' Medal, National Academies' Reporting award

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