terça-feira, 5 de março de 2013

Folha: Empresas de internet lutam para parecer responsáveis com a privacidade dos usuários

Empresas de internet lutam para parecer responsáveis com a privacidade dos usuários

SOMINI SENGUPTA

A privacidade deixou de ser só uma dor de cabeça para as autoridades regulatórias. As companhias de internet estão pressionando umas às outras para provar aos consumidores que os dados destes estão seguros e sob o controle deles.

Em alguns casos, companhias estabelecidas estão tentando ganhar vantagem de mercado ao se mostrarem mais ativas que os concorrentes na proteção da privacidade dos usuários. Por exemplo, a Mozilla, uma produtora menor de navegadores para a internet, deu a entender na semana passada que poderia permitir aos usuários de seus programas desativar completamente o software de rastreamento usado por terceiros.

Ao mesmo tempo, as empresas que operam plataformas de web estão estabelecendo limites para as companhias com as quais fazem negócios. No ano passado, por exemplo, a Apple começou a requerer que os aplicativos criados para o seu sistema operacional obtenham autorização dos usuários antes que rastreiem sua localização ou extraiam dados de suas agendas armazenadas no iPhone. Além disso, diversas companhias, de grande e pequeno porte, estão oferecendo grande variedade de ferramentas de proteção à privacidade, como por exemplo recursos para codificar posts no Facebook e proteger dados pessoais armazenados em nuvem.

Durante uma das mesas redondas da RSA Conference, um evento setorial cujo foco era a segurança, na semana passada, Brendon Lynch, o vice-presidente de privacidade na Microsoft, declarou que empresas como a dele vieram a compreender a importância das "forças de mercado" que propelem a questão de privacidade.

"Não se trata apenas da pressão dos defensores da privacidade e das autoridades regulatórias", disse Lynch. "As pessoas estão cada vez mais preocupadas com a privacidade, dada a presença constante da tecnologia em suas vidas".

A declaração pode parecer um tanto estranha para quem recorda os problemas que a Microsoft enfrentou 10 anos atrás com as autoridades regulatórias europeias. Como resultado daquela disputa, a empresa foi forçada a adotar mudanças substanciais na madeira pela qual seu sistema de acesso à rede, o Net Passport, armazenava nomes, endereços, idades e outros dados pessoais.

"DESONESTIDADE INTELECTUAL"


Site criado pela Microsoft para a campanha 
"Scroogled", que ataca um dos maiores rivais 
da empresa, o Google

Mesmo assim, a Microsoft, sediada em Redmond, Washington, sinalizou que é sensível às questões de privacidade de usuários ao adotar como default, na mais recente versão de seu navegador Internet Explorer, um controle que previne rastreamento. A Microsoft também atacou o rival Google por meio de uma campanha de marketing declarando que os consumidores estavam sendo "scroogled" (mescla entre a gíria "screw", causar dano, e Google) pela rival, que direciona publicidade a eles com base em seus e-mails e históricos de busca.

Keith Enright, que detém no Google o mesmo posto que Lynch ocupa na Microsoft, definiu a campanha como "intelectualmente desonesta". Na RSA Conference, Enright afirmou que o Google se esforçava para garantir a segurança das informações dos consumidores e para simplificar os controles de privacidade.

Joel Reidenberg, professor de Direito na Universidade Fordham, disse que a Microsoft havia revertido completamente sua posição quanto à proteção dos dados dos consumidores. "Estamos vendo mais empresas tentando agir assim --desenvolvendo serviços de proteção à privacidade", disse o professor Reidenberg, cujo Centro de Lei e Política da Informação, na Fordham, recebe doações tanto da Microsoft quanto do Google. "As plataformas reconhecem que precisam enfrentar a questão da privacidade, e estão buscando maneiras de fazê-lo de forma competitiva".

NÃO ME SIGA

Em certa medida, esses desdobramentos indicam que o setor está trabalhando com afinco para evitar regulamentação governamental, um esforço que vem se desenvolvendo em ritmo muito lento, de qualquer forma. Parece não existir movimento quanto aos projetos de proteção à privatização que tramitam no Congresso, e tampouco consenso sobre aos padrões para o não rastrear ("do not track"), um parâmetro que os navegadores adotariam para indicar que o usuário não deseja que porção alguma de sua atividade seja rastreada por anunciantes.

Os anunciantes já declararam publicamente que não deixarão de rastrear dados simplesmente porque o usuário sinaliza com seu navegador que não deseja ser rastreado. O Facebook diz que precisa saber com mais clareza se o sinal se aplica, por exemplo, a plug-ins sociais como o botão "curtir", integrado a milhões de sites.


Paul Sakuma/Associated Press


O manifestante Don Mcleod protesta por maior transparência do Google em relação aos dados de usuários em Mountain View, Califórnia

Mas ainda assim as empresas estão refinando o controle que os usuários têm sobre seus dados, tanto nos computadores quanto nos aparelhos móveis.

Além de requerer que os aplicativos busquem permissão do usuário antes de rastrear sua localização, a Apple incluiu em seu mais recente sistema operacional móvel uma maneira de o usuário desativar o acesso ou alterar o código que identifica um aparelho específico para fins de rastreamento. O Advertising Identifier, nome do novo sistema, substitui o identificador inalterável de aparelho usado no passado. Permite que os criadores de aplicativos monitorem o comportamento dos consumidores mas também que estes desativem o recurso de rastreamento.

O Facebook requer que os aplicativos submetidos ao seu App Center ofereçam normas de privacidade para os usuários, e no ano passado adotou controles de privacidade que permitem que controlem de maneira mais rigorosa quem pode ver seus posts e fotos.

RIVAIS

Em 2011, o Google tentou descrever seu site de redes sociais, o Google Plus, como mais cuidadoso que os rivais no que tange à privacidade. A companhia lançou a ideia de "círculos", que restringiriam o compartilhamento de certas informações a grupos específicos de contatos.

A rivalidade de mercado não significa que as empresas não estejam preocupadas com o escrutínio das autoridades sobre o uso que fazem dos dados pessoais que acumulam. O Facebook fechou um acordo que autoriza a Comissão Federal de Comunicação (FCC) norte-americana a conduzir auditorias da companhia durante 20 anos, depois que a agência decidiu que o site havia iludido os usuários ao divulgar publicamente dados que eles pretendiam manter fechados. Como prova de que mudou, o Facebook passou a estimular os usuários a revisar seus controles de privacidade antes que comecem a usar a nova ferramenta de buscas que a empresa introduziu, este ano.

"O que significa privacidade?", questionou Erin Egan, vice-presidente de privacidade do Facebook na RSA Conferência. "É compreender o que acontece com seus dados e ter a capacidade de controlá-los".

Esse imperativo parece estar estimulando o crescimento de diversas empresas principiantes que oferecem serviços de proteção à privacidade. Uma empresa de Boston, a Abine, está testando um sistema que representaria o oposto do sign-in unificado para a web oferecido pelo Facebook. Em lugar de expor as credenciais de acesso ao Facebook em dezenas de sites, a companhia oferece um endereço de e-mail ou número de telefone distintos para cada transação; você assina com um endereço de e-mail e senha de que se lembra; a Abine cria e-mails e senhas diferentes para os diferentes sites que você utiliza.

O serviço básico da companhia é gratuito, e ela planeja oferecer assinatura mensal paga para acesso a recursos mais poderosos.

ALÍVIO PAGO?

Outra companhia, a Wave Systems, mostrou sua nova ferramenta de proteção à privacidade do consumidor durante a RSA Conference, na semana passada. Chamada Scrambls, ela cifra posts em redes sociais e mensagens de e-mail, limitando o acesso a eles, e permite que o autor escolha quem terá a chave para decifrá-las. A companhia pretende divulgar o serviço junto aos pais, entre outros, como um "cinto de segurança" que protegeria as crianças em seu uso de mídia social. Por enquanto, a ferramenta é gratuita.

Não se sabe se os internautas estão dispostos a pagar para proteger seus dados pessoais, ainda que as pesquisas tenham apontado repetidamente que os consumidores estão ansiosos.

Em uma pesquisa nacional de opinião pública conduzida no ano passado nos Estados Unidos, a Forrester Research constatou que um terço dos consumidores se preocupam por empresas terem acesso aos seus dados de comportamento. Mais de 40% dos entrevistados dizem que deixaram de concluir uma transação em um site de internet devido a algo que leram nas normas de privacidade do site.

A confiança dos consumidores é mercadoria cada vez mais vital para as companhias de web, disse Fatemeh Khatibloo, analista da Forrester. "Há ímpeto suficiente no mercado, tanto pelo lado dos consumidores quanto pelo lado das empresas, para levar adiante essa tendência", ela disse.

INCÔMODO

A Mozilla, que produz o navegador Firefox, incomodou o setor de publicidade online ao anunciar que estava testando uma nova ferramenta que bloqueava o software de rastreamento de terceiros, os chamados cookies. A companhia afirma que ainda não decidiu se vai ou não incorporar a ferramenta ao seu navegador, ainda que seja provável que uma versão do sistema seja incorporada.

Alex Fowler, vice-presidente de privacidade da Mozilla, diz que até agora 12% dos usuários do Firefox em computadores e 14% dos usuários do Firefox em aparelhos Android já ativaram o controle de bloqueio de rastreamento. "Eles querem nível diferenciado de privacidade em seus serviços", disse. "É preciso ouvi-los. Isso é crítico para o negócio".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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