terça-feira, 25 de março de 2014

Idg now: Cloud Corporation e a TI baseada em cloud




Em 2009, quando escrevi meu livro de Computação em Nuvem, o tema ainda era tratado como curiosidade. Hoje, cinco anos depois, cloud é irreversível e, em breve, nem mais falaremos em Cloud Computing e sim apenas em computing, pois cloud será o nosso modelo mental de pensar na aquisição e uso de tecnologia.

O impacto da nuvem vai muito além de efeitos limitados de redução de custos no uso de infraestrutura de TI, mas vai afetar – aliás, já está transformando – a própria indústria de TI e os setores de TI das empresas. Está, na verdade, redesenhando a economia do setor de TI e seus modelos de negócio, tirando a indústria de sua zona de conforto e a sacudindo de forma drástica. Produtos e serviços que antes geravam boas margens, como hardware e softwares vendidos no modelo on-premise, estão desaparecendo. Novos entrantes surgem e empresas já existentes estão se transformando para se posicionarem neste novo cenário. Um exemplo claro foi a recente venda da divisão de servidores de base Intel da IBM para a chinesa Lenovo.

É um contexto diferente do que vivenciamos nas últimas décadas. Cloud permite uma interação direta entre os usuários e as ofertas de serviços de tecnologia, sem passar por intermediários como o setor de TI. A função TI tradicional (cuidar de infraestrutura) perde sua importância e o que chamamos de setor de TI é obrigado a se reinventar, deslocando seu foco e capacitação para atuar como um advisor de tecnologia. O negócio, por sua vez, torna-se mais e mais entranhado de tecnologia, em seus processos e produtos. As empresas, qualquer que seja seu setor, tornam-se digitais.

Os sintomas destas mudanças estão claros. Se olharmos o setor de hardware vemos que as margens reduzem-se a cada dia. As vendas de infraestrutura deslocam-se dos servidores físicos para servidores virtuais, disponibilizados em provedores de nuvens. No software, a maioria das empresas obtém sua rentabilidade dos contratos de manutenção, não de novas licenças. Além disso, observamos frequentemente o fenômeno do “excesso de capacidade” que é um software oferecer mais funcionalidades (e, naturalmente mais complexidade) que a maioria dos usuários precisa. Portanto, o modelo atual sinaliza claramente que está no seu limite e precisa ser redesenhado, para que a indústria continue saudável.

A transformação da indústria de TI passa por uma mudança radical em seus modelos de negócio. O modelo atual baseia-se no princípio da venda de licenças de cópias de software que são instalados e operados nos computadores do próprio cliente. Tem algumas características interessantes: primeiro, supondo, por exemplo, um software sendo usado por quatro a cinco anos, cerca de 70% dos gastos com licença e serviços correlacionados são efetuados no primeiro ano, na sua fase de implementação e integração.

Portanto, grande parte dos gastos são feitos “up-front”, ou seja, antes que a empresa comece a obter os ganhos pretendidos com sua aquisição deste software. Este modelo implica que o fornecedor do software garanta que seus investimentos em desenvolvimento, marketing e esforço de vendas, além da sua margem de lucro seja recompensado pela venda. Pelo grande esforço de colocar o produto em operação e pelas características operacionais únicas, cria-se o fenômeno do aprisionamento, com os custos de troca tornando-se tão altos que inviabiliza sua ideia. Um exemplo, quantas empresas trocam de softwares de banco de dados?

Segunda característica é que, a partir do momento em que o software está implementado, o risco de sua boa ou má utilização é de total responsabilidade do cliente. Na prática, ele assume todo o risco, uma vez que se o software não atender suas necessidades, por ter sido mal selecionado ou por uma operação defeituosa, a empresa usuária não se beneficia dos ganhos esperados.

De modo pragmático, se o software está sendo bem usado ou não após sua compra não afeta os resultados financeiros do fornecedor, pois a maior parte dos ganhos possíveis com a venda já entrou no seu caixa. O fornecedor, claro, tem todo o interesse que o software seja bem usado, até por questões de referências positivas, que facilitam vendas futuras a outros clientes. Mas não é de sua responsabilidade fazer com que a empresa mude seus processos para que o software seja plenamente aproveitado. Esta responsabilidade é do próprio usuário.

Este modelo funcionou por várias décadas. Mas, começou a entrar em colapso. Por quê? Em minha opinião, temos a crise econômica de 2008, que obrigou as empresas a serem mais seletivas e mais conservadoras em seus gastos. Onde pudessem diminuir custos, diminuíam. Menos gente para operar as empresas. Pressões em cima dos fornecedores para reduzirem seus preços…

Também vimos o nascimento do fenômeno da consumerização, com smartphones como iPhone e tablets como iPad e todo o mundo das apps, que mostraram que é perfeitamente possível termos softwares de fácil uso, intuitivos, com a complexidade escondida do seus usuários. Muitos deles grátis ou a preços muito menores que a indústria de software habitualmente vinha praticando.

E, claro, outro fator importante é o conceito de computação em nuvem, já explorado pelas empresas que nasceram na Internet e que viram que poderia ser aplicado a qulquer outra empresa. Juntando tudo isso, descobrimos que era possível um novo modelo de negócios para aquisição e consumo de recursos de TI.

Cloud propõe a troca do Capex e seus investimentos upfront pelo gasto por consumo, ou Opex. Muito mais palatável a um cenário econômico problemático.

A mudança começou, então, por pressão do próprio mercado. Algumas empresas pioneiras mostraram que era viável usar o conceito, como a Salesforce e a Amazon.
Cloud é um contexto diferente. O risco da aquisição se desloca do usuário para o fornecedor. Ele tem que manter o usuário satisfeito usando seu software dia após dia. Problemas de performance, sistema fora do ar… Tudo isso passa para a empresa que fornece os serviços de TI. Ela não está mais fora do problema, e sim passa a ser a responsável.

Com isso, toda a cadeia de valor da indústria se redesenha. Empresas que atuam como meras intermediárias perdem seu espaço. Com hardware concentrado nos provedores, as vendas destas máquinas passam a ser em grande volume, direto aos provedores, dispensando os intermediários que vendiam pequenos volumes a empresas de médio a pequeno porte. As empresas usuárias deixam de comprar servidores físicos e passam a comprar servidores virtuais. No software também ocorre a desintermediação. Com softwares rodando diretamente a partir dos data centers dos fornecedores, para que intermediários?

A receita passa a ser distribuída pelos anos em que o cliente usa o software. E quanto mais consumir, mais paga. O fornecedor passa a ter um interesse muito maior em fazer com que o usuário aproveite todo o potencial de funcionalidades do software. E adquira novas funcionalidades. Além disso, o conceito de aplicativos cria um novo patamar de preços. Torna-se difícil explicar a venda de um software de milhões de dólares.

Claro que continuarão existindo casos específicos, mas na maioria dos exemplos veremos muita dificuldade em explicar ao CFO por que pagar dezenas de milhares de dólares por um software de e-mail se posso obtê-lo praticamente de graça na nuvem? Por que pagar por uma planilha caríssima se posso fazer o download de uma, muito mais intuitiva e simples de usar, por US$ 0,99? Esta tendência vai se espalhar pelos softwares corporativos. Por que pagar centenas de milhares de dólares por um ERP, CRM ou sistema de RH se posso optar por uma alternativa em nuvem, a um preço muito inferior? E sem necessidade de comprar toda uma parafernália de hardware e softwares (middleware) adicionais?

A indústria de software corporativo vai adotar alguns modelos já conhecidos dos apps, como o freemium, onde uma versão com menos funcionalidades é liberada gratuitamente, para chamar atenção que funcionalidades adicionais serão pagas. É uma mudança radical nos modelos atuais de receita.

A TI dos próximos anos será uma TI baseada em cloud. Infraestrutura cada vez mais se deslocando para provedores de nuvem. Softwares intuitivos e de fácil uso sem upgrades, como as que vemos hoje, com ciclos de versões que mudam a cada 3 ou 4 anos que exigem quase que uma nova e cara re-implementação. As modificações passam a ser constantes e feitas nos próprios data centers dos fornecedores, passando, em alguns casos, até despercebida dos usuários.

A cadeia de valor muda radicalmente. Intermediários que não agregam valor desaparecem. Por outro lado, surgem oportunidades novas, para agregadores de valor, cada vez mais concentrados em serviços e consultorias. Com tecnologias de desenvolvimento em nuvem e sem necessidade de investimentos em hardware, a indústria de software corporativa tende a florescer em inovação. Veremos no mundo corporativo inovações que antes estavam restritas ao mundo das apps orientadas aos usuários finais.

As vendas passam a ser feitas não apenas para os CIOs, que perdem a exclusividade da escolha e entrega da tecnologia à empresa, mas para os usuários diretamente. Os CIOs e sua equipe tornam-se advisors e brokers, gerenciando processos de escolha de soluções em nuvem. É um outro jogo.

Esta transformação, ou seja, o conceito de uma “cloud corporation”, onde TI é baseada em cloud, já está começando a ocorrer. Mas, não é um processo big bang.

Acredito que possamos adotar a famosa regra de 10/10 para tecnologias de ruptura. 10/10 significa cerca de dez anos para desenvolver o conjunto de tecnologias em todos seus aspectos, que inclui tecnologias diretas, como as que melhoram segurança neste novo cenário, e indiretas, como maior capacidade de banda larga, e outros dez anos para serem implementadas, aceitas, institucionalizadas e exploradas em sua potencialidade. Quando então torna-se o modelo mental de pensar tecnologia. Estamos no início da curva de aprendizado.

A corporação operando em nuvem vai se tornar realidade. Quando? Um chute: no final desta ou início da próxima década…


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